Você acabou de assinar a página final do seu livro negro.

Compulsivamente aquilo que um dia eu chamei de coração se transformou em fígado, e o sangue que um dia foi bombeado pelo meu corpo se transformou apenas na bile que permanece em minha boca, deixando-a amarga, onde sinto o gosto do fel, onde sinto seu gosto.

Suas promessas tornaram-se infundadas, e já não me apetece mais como antes. Você mente, dissimula, descria e me fere, como jamais imaginei ser ferido. É como se me amarrassem em um lindo e imenso jardim, e cada vez que eu tentasse fugir, um pedaço de mim estaria perdido por entre as belas flores.

O desejo tornou-se a minha fuga, e eu desejo fugir pra qualquer lugar que não tenha a sua imagem, pois o asco me fará regurgitar. Meu corpo arde em febre do rancor, da mágoa e da desilusão. Sinto cada pólo queimando, por dentro e por fora, como se pequenas brasas invadissem meus poros, e eu não pudesse apagá-las.

Agora prometo te olhar como um qualquer, como um desdém, como um ninguém, que não merece sequer minha compaixão, pois com ou sem paixão, você será apenas reflexo do que um dia eu pude gostar. Acabo de acreditar que tenho um ótimo mau gosto, já que me sentia bem contigo, um ser que nem deveria ser chamado de ser, pois a única coisa humana em você é sua feição.

Pretendo desviver tudo o que for necessário, desencontrar tudo o que foi válido e desgostar de tudo que foi vivido. Sou apenas um antro de sentimentos desagradáveis em relação a você; ainda que consigas ser infinitamente mais desagradável que meus sentimentos. Desvirtuarei tua felicidade em forma de sorriso, com um olhar fulminante, com um sorriso entre dentes, e uma chama ardendo por dentro, para que você morra, dentro de mim.

Estamos prontos para o fim. Não nos preparamos, mas sinto que marcamos a hora do enterro, para não perdermos a oportunidade de um olhar para o outro dentro do caixão.

Nos cruzamos pelo caminho e paramos em uma encruzilhada. Decidimos seguir juntos para um dos caminhos, sendo que cada um gostaria de ir para um lado. Estamos caminhando de mãos dadas, mas sofrendo com a pressão dos dedos. Você me segura e eu quero partir. Eu corro e você prefere andar. Você me puxa e eu só quero ficar parado um pouco. Eu te sinto longe e você me enxerga perto.

Estamos presos em um amor condicionado. A gente se ama na rotina e se odeia no inesperado. Preferimos o arroz com feijão ao invés de não ter prato preferido. Estamos em um ninho, mas com asas prontas para serem gastas. Nós somos paixão se esforçando para ser amor.

Entretanto, foi tanto de nós para os dois que nos sobrou pouco para nós mesmos. Já não temos mais a essência própria e o pouco que sobrou não nos basta. O amor se tornou líquido e a escassez está nos deixando com sede. Estamos morrendo, ao poucos, sem poder regar o melhor da gente.

Chegamos no dito final. Não temos mais nada, a não ser um ao outro. Enquanto existir vida, haverá morte. E se a vida a dois mata a própria vida, a melhor escolha é morrer. Não de amor, nem por amor. Melhor morrer por causa do amor.

As críticas entraram
e dominaram o lugar.
Nunca foram bem aceitas,
a hipocrisia dominou o lar.

A casa agora é feita de mentiras
e de inverdades para quem gosta de escutar.
Fechei as portas,
saí do quarto,
aluguei as verdades, revoguei os hipócritas, aprendi esnobar.