Oi.

Resolvi escrever pois não tinha coragem de falar pessoalmente. A gente é assim, só gosta de falar coisa boa pessoalmente. Quando é ruim, mandamos recado pelos outros, escrevemos um Whatsapp ou deixamos uma carta em cima da mesinha do computador. Queria desabafar. Não dá mais, nunca deu. Desde o começo, isso foi só uma tentativa de transformar o não em sim. A gente só se parece por ter olhos, nariz e boca, o resto não tem nada a ver. Tudo o que eu gosto você despreza e tudo o que você adora eu não quero saber. A gente combina em não combinar. Ó, eu tentei. E não foi pouco. Eu tentei do dia que eu disse “sim” até o momento em que coloquei a caneta nesta carta. Tentei transformar o seu mundo na intenção de te adequar ao meu. Tentei mostrar os melhores caminhos. Tentei ensinar coisas novas. Tentei me adequar aos seus gostos. Tentei ser parecido com você. Tentei deixar você com o meu jeito. Tentei mudar o lado da cama. Tentei mudar o cardápio. Tentei mudar os móveis de lugar. Tentei te fazer feliz. Tentei nos fazer feliz. Tentei. Tentei ao cair na tentação de acreditar que eu podia fazer da gente um lugar melhor. Acreditei demais. Acreditei demais nas suas promessas e passei a desacreditar em mim. Passei a desacreditar na pessoa que mais amo, eu. Já não lembro mais das promessas que fiz, para onde sempre quis ir ou onde eu deveria estar. Hoje o que mais lembro de mim é você. Estou escrevendo para dizer que não acabamos porque tínhamos que acabar. Acabamos porque você acabou comigo.

Analisei bem e cheguei a uma conclusão: nascemos um para o outro. Não há nada que não encaixe. Minha mão é do tamanho da sua. Eu caibo certinho nos seus braços. Rimos da mesma coisa. Completamos as frases um do outro. É oficial, somos um só.

Você é o autocompletar do meu smartphone. O lençol de elástico do meu colchão. A chave da minha porta. A cortina da minha janela. O vaso da minha planta. A pasta dos meus documentos. A estante dos meus livros. A bolsa do meu dinheiro. O chuveiro do meu banho. O ar-condicionado do meu verão. A música do meu iPod. O motivo dos meus clichês.

Somos tão perfeitos um para o outro que até a perfeição sente inveja. Se alguém abrir um Michaelis e procurar unificar, vai encontrar a nossa foto. Se dividirem metade do nosso rosto e juntarem as duas partes, vamos parecer a mesma pessoa. Somos tão completos que até o marketing do Bradesco mudaria o slogan se nos conhecesse.

O único problema da nossa semelhança é que nos acostumamos a ela. Os erros são espelhados, as dores são repetidas e os pensamentos unificados. Somos tudo o que fizemos e agora seremos para sempre o que causamos. Penso que seria melhor se a gente não se encaixasse tanto. Sinto falta da imperfeição. Assim, eu ficaria com você, e não comigo.

Entre todos os anos que já vivi, mais da metade te pertencem. Isso significa que boa parte da minha vida foi constituída por você, e o inverso também tem dedo meu. Vi a maior parte dos seus aniversários, infernos e passagens astrais. O conheci mais vezes do que você imagina e cada João que já existiu me ensinou algo diferente, único e importante.

Se não fosse por um João aí no meio dessa trajetória, eu provavelmente não estaria onde estou, investindo no que gosto, buscando ser feliz com o que me faz bem. Esse João me incentivou a sair da mesmice, largar a timidez e acreditar no meu potencial.

Caso um João que reside em você não existisse, provavelmente eu não teria aprendido o que é a essência da amizade. Este um clichê honesto. Nunca aprenderia que não importa o quanto você ame alguém, deixar a pessoa partir é sempre a melhor opção. Se o amor existe, a pessoa voltará. Você foi, mas voltou. Eu sempre soube que precisávamos ficar longe para descobrirmos que o nosso lugar é perto.

O João que eu mais gostava também deu espaço para outro. O intransigente, espontâneo e “porra louca”, que dava trabalho porque queria ser feliz, descobriu que para ser feliz não é preciso dar trabalho, basta ser. Esse outro me ensinou que se a vida não te leva para o lugar desejado, é porque o desejo sempre foi ir para outro lugar. E você foi para lá, para os pequenos sonhos. Me ensinou que desistir não é perder, é transcender.

Hoje, parte dos anos que me pertencem começam a partir. E eles podem ir embora, não ligo. O que aprendi com o passado o presente não pode apagar. Agora quero aprender com o futuro. O João de ontem já me ensinou demais. Estou ansioso para aprender e conhecer o João de amanhã.