Estamos bem. Acho que finalmente chegamos ao ponto de dizer que não temos mais do que reclamar. O que importa é que aprendemos apreciar a rotina. Não ligamos que o almoço demore três horas para ficar pronto, estamos fazendo isso juntos. Não nos importamos em ver filmes ou séries repetidas, estamos fazendo por nós, pelo momento. Não interessa que a gente só se veja por trinta minutos durante a semana, estamos fazendo isso pelo prazer da companhia. Estamos bem e o que importa é que aprendemos a nos encontrar nos erros. Seguimos com os mesmos defeitos, mas estamos consertando para que estes não nos incomodem mais. Continuamos com os mesmos vícios, mas agora tomamos cuidado para que estes não ofendam um ao outro. Permanecemos com o sofrimento, mas estamos aprendendo a lidar com o passado para que o futuro nos perceba. Estamos bem e parece que percebemos o que importa. O que importa é que vamos olhar para trás sabendo que nos redimimos. O que importa é que vamos rir da última viagem que fizemos, da palavra que entendemos errado e do tropeção que demos nos pés da vida. O que importa é que sempre caímos de pé. O que importa é que estamos estudando um ao outro e que se ontem estávamos no ensino fundamental, hoje já estamos na graduação. O que importa é que sabemos quais são os nossos limites, qual é o meu, qual é o seu, e quais deles devemos respeitar ou invadir. O que importa é que a gente não precisa mais ficar falando o tempo todo, o silêncio nos embala, conforta. O que importa é que notamos que precisamos um do outro, não por dependência, mas por conexão. O que importa é que sabemos o que nos conecta, o que nos une e o que nos torna diferente de outras pessoas, aquelas que teriam entregado tudo o que importa para Deus, esperando que Ele arrumasse soluções e dissesse que é melhor ir para a direita ou esquerda. Mas isso não importa. Estamos bem, isso é o que importa.

Aprendi a conviver com isso. Essa coisa aí que todo mundo fala mas eu não sei muito bem o que é. “Só acredito vendo”, diria a minha mãe, em referencia a algum santo. Ou seja, se não vi, essa merda não existe. Mas ela está aqui, corroendo alguma parte entre o pâncreas, esôfago e o coração. (não tenho certeza, não entendo de anatomia, mas entendo de dor) Estou convivendo com isso, essa pocilga que não tem forma, mas que me deixa com os olhos pesados, falta de ar e uma mágoa sem tamanho. Eu sei como me livrar, mas ainda não tomei coragem para fazer isso. Se eu tirar isso de mim, você vai embora junto. Não gosto dela, mas gosto de você.

Estou há um tempo aqui neste trem – que me disseram ser o do amor – e já não vejo a hora de descer. As janelas fechadas com todos respirando o mesmo ar, pessoas de cara feia, encoxadas e esse trem velho e sujo não pode ser feito de amor. Não dá para se sentir feliz e muito menos amado aqui dentro.

Quando embarquei no trem, não tive escolha. Havia muita gente atrás, me empurrando, sem saber se eu queria entrar ou não. Na plataforma do amor não existe horário de pico, toda hora é hora de embarcar. Está sempre lotada. No trem dos relacionamentos não existe assento preferencial, quem chega primeiro vai acomodado o caminho todo. É por isso que as pessoas se digladiam para entrar. Não importa se alguém vai cair nos trilhos, morrer ou se machucar, o importante que você vá confortável, o outro que se foda. E eu me fodi. Só queria ter esperado um pouquinho a aglomeração passar. Juro que deixei as portas livres e aguardei no cantinho para que as pessoas saíssem antes. Para descer para a plataforma, deixei a esquerda livre. Definitivamente eu não devia estar aqui dentro.

Até agora ninguém saiu do trem. Está lotado de gente apaixonada, amando loucamente como se fosse a coisa mais maravilhosa de todo o cosmos. O trem balança demais e eu estou enjoado com tanto amor. Não vejo a hora de chegar na próxima estação. Esperei o trem partir para descobrir que não queria embarcar. Demorei para descobrir que amar não é partir, é chegar. Ainda vou amar, mas por outro caminho.