Eu mexi nas suas coisas para me encontrar no meio delas.

Revirei as tuas gavetas na esperança de encontrar mais do que uma cueca ou uma bermuda. Queria ter encontrado aquele pedaço de mim que te dei no primeiro dia oficial do nosso amor.

Olhei todos os bolsos dos seus casacos, esperando encontrar uma foto feia da gente, um cartão sem graça de aniversário, a razão da gente ter se apaixonado.

Olhei todos os pares de meia e encontrei dinheiro escondido, pé sem par, papel de bala, pé sem par, lenço colorido, eu sem par.

Olhei em todas as caixas e organizadores e não vi nada além de colares, cartões velhos, RGs antigos, contas pagas, contas a pagar, contas vencidas e nada de contar a verdade para mim, que você colocou outro alguém nas suas prateleiras.

Eu encontrei no seu guarda-roupa a verdade que eu não gostaria de saber e a mentira que gostaria de ouvir para sempre. Não encontrei o que fiz para merecer. Não encontrei onde te perdi.

Café de manhã.
Chá das cinco.
Amor não tem hora.

Amor, nunca nos demos bem. Acredito que nossas desavenças tenham começado na infância. A vizinha que dizia que me amava na verdade só gostava de mim porque podia testar todas as suas maquiagens na minha cara. Ficava horrível, mas eu achava que era amor. Eu tinha seis anos e ela sete, não sabíamos nem o que significava sonhar, que dirá amar.

Daí em diante a nossa relação ficou ainda mais instável. Na escola, por mais que eu tentasse me envolver com alguém, a rejeição era de cem por cento. Gostava demais e não recebia nada em troca, a não ser indiferença. Foi aí que comecei a notar que eu e o amor não tínhamos nada a ver. Toda unanimidade é burra, por isso passei a acreditar que amar alguém por completo é ser imbecil. Deixei de me envolver, para deixar de amar.

Cresci. A vida colocou pessoas estranhas no meio do meu caminho, para que eu desse mais chances ao amor, sendo que o amor nunca me deu chances. Encontrei bocas pouco interessantes – assistindo filmes ruins ou em parques sem graça. Namorei por namorar, com gente irrelevante, que me satisfazia visualmente, psicologicamente ou sexualmente, mas sem ter amor em troca. Tive relacionamentos por comodismo. Nunca foi cômodo não consegui amar.

Hoje, após tantas desavenças, percebo que o que falta é o amor. Posso ter tido inúmeras relações, emoções boas e ruins, sentimentos diversos, semanas ou anos incríveis, mas falta algo. Falta algo que não sei explicar. Falta uma faísca, algo que aqueça, que mantenha, que dê liga, que encorpe, que envolva, que cause sorriso constante.

Sei que nunca fomos próximos, que tivemos nossas desavenças, mas percebo que foi pela minha resistência. Sempre quis tudo de mão beijada e você é fruto da superação. Para amar é preciso de coragem e sempre fui medroso. Eu mudei e estou disposto e te receber novamente. Volte para mim, amor.