Resolvi partir. Não como das outras vezes, que só parti de mim. Dessa vez vou partir de você.

Estou partindo porque cansei de esperar você chegar tarde do trabalho, ouvir histórias sobre seus colegas e de como o seu chefe é insuportavelmente metódico. Vou partir porque você continua deixando a toalha molhada em cima da cama, a louça suja tampando o ralo da pia e garrafa de água vazia dentro da geladeira. Partindo, pois já não aguento mais ver você usando dois dias seguidos a mesma calça, a mesma camisa e as mesmas desculpas para usar a mesma roupa. Decidi partir, porque não consigo mais olhar para os seus olhos logo pela manhã, refletidos pela luz que entra pela fresta da janela, sem ter a certeza do quanto gosto de você e do que desejo para mim. Vou partir, porque cada vez que enrolo os meus dedos no seu cabelo descubro que perdi o controle da situação e isso aqui já deixou de ser paixão há muito tempo. Vou partir para bem longe, porque não quero nunca na vida cruzar com você na rua, feliz com alguém que não tenho certeza se é só um velho amigo ou um novo grande amor.

Estou indo embora porque não quero mais preparar o almoço aos domingos, receber beijos enquanto cozinho a carne e sinto a minha cintura ser apertada enquanto vejo o ponto do arroz, me segurando com força como um alguém que tem medo de que eu acabe dentro da panela. Não quero mais deitar na cama, cochilar sobre o seu peito e acordar trinta minutos depois com você olhando para a minha cara com um olhar fraternal ou de amante (ainda não consegui distinguir). Vou, pois não quero que a rotina nos consuma e no final a gente se torne um desses casais babacas que precisam ir ao cinema, andar de bicicleta nos finais de semana e esperar uma hora para sentar em um barzinho caro para que todo mundo saiba que estamos bem. Acho que ninguém no mundo precisa saber que estamos bem, desde que a gente esteja assistindo vídeos bobos no Youtube, ouvindo músicas que a gente não saiba a letra e mesmo assim tentamos cantar, enquanto comemos salgadinho vencido como crianças que não sabem que vão passar mal no dia seguinte.

Vou levar tudo o que é nosso comigo. Estou levando aquele dia cinza e estranhamente bonito onde você me pediu em namoro, a timidez de quando estávamos nos conhecendo e um monte de promessas despretensiosas que deixamos escapar entre um encontro e outro. Estou levando também a sua determinação em fazer o nosso relacionamento dar certo, a sua arrogância nas discussões e o seu ponto de vista simples e objetivo que me fizeram enxergar para qual lado eu deveria ir cada vez que o destino cambaleasse.

Determinei que vou partir, ao meio, tudo aquilo que a gente sente um pelo outro. Estou partindo, porque acredito que ninguém no mundo deveria ser feliz como a gente é.