Preciso parar de fazer tanto. Acordo com o sentimento de doação gritando, e por isso já começo pendurando as cuecas molhadas que estavam jogadas no box. Daí em diante, não paro de ser gentil. Cedo lugar no ônibus para quem parece mais cansado do que eu e fico ali, no cantinho, entre um banco e a catraca. Dou passagem a todos na rua. Deixo as mulheres entrarem primeiro. Faço mais do que devia pelo meu trabalho. Faço o trabalho dos outros, enquanto tento terminar o meu. Almoço em menos tempo, para fazer as vontades dos meus superiores. Saio mais tarde, só para deixar tudo redondo para o próximo dia. Me doo muito, mas preciso dar um jeito de diminuir isso.

Preciso começar a parar de me doar, principalmente no campo afetivo. Viro escravo de quem gosto, sabe? Faço demais, é incondicional. Ando na rua com pensamentos do tipo “o que fazer para agradar o meu amor?” e “acho que vou levar um chocolate de presente” (e daí pra pior). E chego ao encontro do amor com o jantar na mesa e ouvidos atentos, escutando banalidades que não quero ouvir e respondendo amenidades que não gostaria de dizer, apenas para agradar.

Eu gosto de agradar e claro, gosto de agrados. Não, não conta um abraço apertado, um beijo demorado e muito menos esfregar as minhas costas durante o banho. Isso soa como um grande favor, e se doar não é uma obrigação, é um prazer. Sabe do que sinto falta? De surpresas. De um encontro ao acaso na porta do trabalho, dizendo que vamos jantar fora, mesmo que seja numa rede de fast food, pois é fim de mês e estamos sem dinheiro. De uma mensagem no celular do tipo “escolha as suas roupas prediletas, coloque-as em uma bolsa e me encontre as 19h no lugar de sempre” e do nada estaremos na estrada, indo viajar sabe-se lá para onde, mas não me importa, pois a doação seria muito maior que o ato. Sinto falta do meu suco preferido no almoço de domingo, de ouvir a minha banda predileta enquanto conversamos, de me levar até a porta de casa, mesmo que sejam 15km de distância, apenas pelo prazer da minha companhia.

Tá bem, não posso reclamar. Eu tenho o normal, o cotidiano, o habitual. Já me disseram “tem gente que não tem nada disso, pare de reclamar!”, mas quem disse que estou reclamando? Estou apenas refletindo que eu deveria ser normal e fazer coisas normais. Infelizmente ser normal entra no critério de ser banal, ou seja, preciso aprender a banalizar.

Vou parar de fazer notas, que é trabalho da mocinha do financeiro. Vou parar de levar trufas pra casa, minha mãe que compre. Vou parar com essa comoção no amar, o amor que se comova.

Talvez um dia aprendam: se me doo, se doem, não dói.