Não paro de confundir o presente com o passado, graças aos odores que passam pela minha vida. É como se a realidade fosse um grande déjà vu que invade o meu cérebro através das narinas.

Quero ter um perfume diferente para cada dia e gostaria que você não tivesse cheiro algum. Esse perfume amadeirado lembra a primeira viagem que fizemos e que mal sabíamos o que queríamos (e que nos queríamos). Cada nota mais forte me faz lembrar dos roupões, da festa do comandante, da paradinha em Camboriú. O seu perfume adocicado tem cheiro de Manhattan, de sacolas de compras, de pub de dez dólares em East Village, de pegar a linha errada do metrô.

Se eu juntar todos os nossos frascos, dá uma vida só. Nossa vida tem cheiro de taco de madeira sob o sol, de lençol com amaciante. E não tem como não sentir cheiro de tempero e não lembrar da gente. Cebola, alho e azeite na panela me lembra finais de semanas felizes. Macarrão com queijo me lembra domingo. Brigadeiro me lembra filme de sexta a noite. Cozinhar me lembra que a gente não faz mais isso.

Ando inalando tanto do passado que quase esqueço que ele não faz parte do meu presente. Não há mais viagens, não há mais filmes, não há mais almoços. Não sinto cheiro de mais nada. Não sinto mais cheiro de amor.

O amor não é líquido, mas evapora.
O amor é esse perfume que foi embora.