Se a grama do vizinho é mais verde eu não sei, nunca reparei. Tô aqui, sofrendo para deixar a minha bonitinha e ninguém pisar. Sai daí, não é lugar de passar. Acabei de arrumar o jardim. Acordo bem cedo para molhar as plantas, tirar ervas daninhas e umas pestes que aparecem. O jardim é meu, tenho que olhar para ele todos os dias e por isso quero ele bem bonito, bem florido. Não pisa aí, por favor. Confesso que às vezes é uma correria e não consigo dar atenção para nenhuma plantinha, acontece, né? A vida se ocupa de se ocupar da gente. Teve uma época que isso aqui ficou totalmente marrom, sem graça, porque não conseguia dar atenção. As plantas não tinham motivos para sorrir, eu também não. Tomei vergonha na cara e voltei a cuidar com mais dedicação. Fica bem melhor, não acha? Ohw, sai daí menino, vai estragar as minhas plantas. Vá pisar na sua grama, faz favor!

Não aguentava mais. Estava saturado de fazer muito, de ser tudo, de ser bom. A sua bondade era constantemente deturpada, estragando a sua empatia a ponto de se sentir mal por ser tão generoso e conciliador. Estavam conseguindo machucar aos poucos o seu caráter, a ponto de colocá-lo em dúvida sobre as suas escolhas. A partir deste momento, teve certeza: não era aquilo, não mais. Estava disposto a novos desafios e caminhos, mesmo que isso significasse se decepcionar mais um pouco. Deu o primeiro passo e tirou de si parte do tormento. Compartilhou com o atormentador um pedaço de seu desespero, para que este entendesse um pouco do desgosto por dentro. Tomou iniciativa, iniciou um novo ciclo de mudanças.