O problema de
ser cheio de si
é que uma hora
você fica vazio
dos outros.

Sou um mendigo. Vivo mendigando coisas boas, como qualidades e perfeição. Costumo me sentar na calçada dos desejos e ficar implorando para quem passa (ninguém) um pouquinho de compreensão e boa vontade. Não precisa ser muito. É só deixar no meu chapéu no chão, ao lado da placa “Aceito doações”.

E como um andarilho, continuo caminhando com as minhas pequenas conquistas sentimentais na pequena bolsa velha, ou nos bolsos furados, sem reparar que está tudo caindo no chão e tem sempre alguém atrás, pegando o pouco que conquistei fazendo shows de expertise nas praças das comoções.

Que peguem. Eu vou acabar fazendo mais malabares com as situações para ver se conquisto algo de mais valor.

Como quem acorda para vencer, acordo para que não vença o meu prazo de validade. E para que isso não ocorra, tomo um banho seco, porque não vejo mais graça em fazer desenhos fofos com nomes especiais no espelho embaçado. O café da manhã é cinza. Café com leite aguado. Torradas levemente queimadas com margarina barata com sal, porque a vida é sem gosto e a sem sal só vai piorar as coisas. E a gente levanta e sai por aí, com mil motivos para dar certo, mas com um gostinho insosso de “empurrar com a barriga” na boca.

A locomoção é monótona. Não me importo se o transporte está cheio ou vazio, pois sempre me parece que está cheio de gente vazia. Não há assento preferencial para pessoas cansadas da vida, nem para deficientes de atenção. Por fim, é só pedir licença (pronunciando apenas “cença”) e descer, pela porta dos fundos, como alguém expulso de casa.

E ando pela rua olhando para aquelas pessoas com pressa e cabeça baixa, como crianças que fazem algo errado e estão indo “já para o quarto”. As calçadas defeituosas lembram muito os probleminhas que deixo passar porque dá para desviar pela rua. O problema é quando desvio pela rua, tropeço e caio de cara no chão, por causa de um buraco maior, por causa de um problema maior.

E chego ao destino, coloco a bolsa velha na mesa e começo a trabalhar: o futuro.