Sabe essa coisa da gente junto?

Da gente deitado na cama, na transversal, um segurando a cabeça com um braço enquanto apoia o corpo todo no cotovelo, e o outro quase encostando o tênis no lençol limpinho, saca?

Da gente reclamando do povo que está com a síndrome do pequeno poder atacada no trabalho, fazendo planos para o final de semana e tendo conversas intrínsecas a respeito do nosso comportamento social, lembra?

Da gente discutindo pelos defeitos do outro, não assumindo os próprios, fugindo dos problemas, ficando sem se falar, não dando o braço a torcer, mas no fim tudo acaba voltando ao normal, já pensou?

Da gente andando na rua, enquanto um vai caminhando mais rápido e o outro tentando acompanhar o passo, mas sempre buscando ficar lado a lado, já reparou?

Da gente planejando um futuro diferente a cada mês, fazendo planos de ter animais, escolher entre casa ou apartamento, cogitar sobre cada um ter o seu canto ou de largar tudo e começar do zero em outro país, tá me entendendo?

Sabe, essa coisa? Não sei, parece amor.

Espero que você nunca perceba, mas não fiquei por você, nem pela gente, fiquei por mim. Fiquei porque não aguentaria viver sozinho, sofrendo por pelo menos seis meses por não te ter por perto, por sentir ódio do que aconteceu, por sentir saudade de nós. Fiquei porque não estava nem um pouco a fim de começar do zero, de ter que buscar pessoas do meu passado para sair de balada, ter momentos plásticos com quem não representa mais nada para mim e ainda assim ter que sorrir  a noite toda para não me sentir sozinho. Fiquei porque não tenho paciência para novos encontros, flertar por aplicativos com pessoas que escolheram as melhores fotos e são completamente diferentes na vida real, de ter que cutucar gente com problemas no ego no Facebook, ter que ficar de xavequinho furado por inbox, fazendo gracinhas sobre a última foto do perfil e falando alguma mentira sobre a personalidade do ser que mal conheço. Fiquei porque não quero me ver obrigado a “ficar” com uma pessoa só para não estar sozinho, ter que aturar vícios, cacoetes, modos e estilos que pouco a tem a ver comigo. Fiquei porque não quero ter que mudar a minha vida novamente por alguém, alterar a rotina, ter um novo restaurante favorito, decidir sobre os finais de semana, escolher horários, me deslocar, ficar à mercê. Fiquei porque não quero perder tudo o que construí com você. Ainda que não valha mais a pena, me acomodei no conforto de não ter que viver buscando um amor.

Acredito no amor livre. O amor, toda a sua comoção e energia não podem ser focados em uma única pessoa.

O amor e o egoísmo são antônimos, logo quem ama não ama a um, ama a todos. Há amor maternal, paternal, fraternal. Há amor de família, de amigo, de alma. Dentre tantos amores, por que devemos escolher apenas um para viver por esta eternidade?

Me divido bem entre todos os amores, menos com o amor de alma, aquele que envolve os pensamentos, o corpo e o sexo. Me distribuo entre as camadas sociais do amor, mas a do amor permanente, de quem ama com lealdade, não posso amar mais de um alguém sem que confundam com traição. Se o amor é universal, por que focá-lo em um único ser?

A minha identificação amorosa acontece em vários níveis. Há quem amo pelo intelecto, há quem amo pela postura, há quem amo pelo corpo, há quem amo pelo riso, há quem amo pelo sexo, há quem amo por amar. E se há tanto amor, porque deixá-lo transbordar em um único ser quando posso dividi-lo por igual?

O amor bilateral é injusto em um mundo onde as pessoas se negam a amar. Se o mundo precisa de amor, converta-se em amante. Não negue amor, não negue o poliamar.