Eu cavei esse buraco tentando encontrar respostas, mas só encontrei escuridão. Aqui embaixo não tem ouro, não tem água, não tem nada, a não ser o vazio que sempre escondi. Quero voltar. Quero sair desse buraco, olhar de cima, ver o que preciso consertar, porque aqui embaixo não dá para fazer nada, a não ser me lamentar. E eu lamento.

Preencho mentalmente um caderninho com o que não gosto, o que me desagrada. Preencho mentalmente também um caderninho sobre coisas que adoro, mas nunca sei onde deixo, em qual gaveta do meu cérebro está. Logo, o caderno de coisas que eu não gosto fica sempre na escrivaninha, à vista, para que eu possa desabafar com o papel tudo aquilo que de alguma forma me incomodou. E acumulo ali, em milhares de palavras, mágoas que não posso apagar.

E por mais que eu tente esquecer do caderno do mal, é impossível. A todo o momento alguém me lembra que ele existe. Logo, quem me lembrou que o caderninho vive, automaticamente estará lá.

Já perdi a conta de quantas coisas escrevi, e para quantas pessoas, mas uma em especial parece que pega a minha mão e brincar de fazer caligrafia, fazendo com que eu escreva todos os dias no caderninho endemoniado.

Não gostaria de escrever nada. Não gostaria de escrever sobre você. Não gostaria, mas nesse momento a sua mão está guiando a minha cabeça a escrever coisas desagradáveis que não posso dizer.

Lendo e relendo constantemente o caderno infeliz, noto que a única parte que não tem a minha letra é a que fala sobre você.

Se você escreveu o rumo da sua história na minha, por que escolheu o caderno errado?

Num grande sofá, com milhares de problemas imaginários deliciosos à vontade, a Psiqué degusta em porções generosas o seu mundinho de tarja preta, recheado de alucinações emblemáticas.

Com tudo ao seu alcance, a Psiqué não pensa duas vezes antes de se fartar de resoluções nojentas e entupir suas veias com gordurosas invenções de seu âmago, chegando ao ponto de não querer sair do lugar, de não querer sair do sofá, pois está tudo muito cômodo e delicioso.

Após se fartar, a Psiqué torna-se obesa, e a obesidade, quando não é patológica, é confortável e aconchegante. Logo, a Psiqué vai adoecendo por não levantar, por fazer suas necessidades no próprio sofá, e o corpo e o pano unem-se em excremento.

E a Psiqué, num estado mórbido, morre no sofá da cabeça de quem a alimentou.