Me perco em uma razão que não é minha, me vendo a um superego que não me pertence.

Contundente. Me sinto Alice, preso em um país, sem escapatória, sem maravilhas. Me sinto Bela, preso em uma síndrome incurável, confortável em um Estocolmo que não descobri ter. Me sinto conto e pouco fada, preso em um livro mal escrito, esquecido na estante de algum bibliofóbico.

E esse gosto de desgosto que deixa a boca amarga não passa. Posso esfregar a língua, passar fio dental dez vezes e ver os dentes vermelhos de sangue e fazer longos bochechos até sentir o álcool corroer minha gengiva, as papilas gustativas ainda sentem o sabor do fel. O gosto é consciente, mas vem de uma parte indecifrável do inconsciente. Talvez seja de um dos duzentos traumas da infância, talvez seja proveniente de uma das 50 frustrações que tenho tido nos últimos anos. Ele vai se dissipar, quando dizimar minha alma desta outra.

Vou encontrar a razão, perdida em um pedaço intocado do meu lóbulo frontal, perdida em uma parte imaculada da minha consciência. Vou encontrar a realidade dos anos perdidos, das escolhas erradas, um fragmento de esperança que me leve à redenção. Vou me encontrar, longe dessa coerção.

É uma prisão. Estou preso ao passado. As celas da minha insegurança selam o meu futuro, impedindo que eu consiga viver por algo além do banho de sol. O carcereiro das minhas decisões está de olho, observando se penso em fugir dos pensamentos atrelados ao ontem. O delegado das minhas emoções dá um esporro cada vez que tento me desvencilhar das grades e fugir dessa cadeia precária de sentimentos ligados ao que já passei, ao que já sofri.

Esse crime não é meu. Não quero pagar diariamente por um erro que não cometi. Não quero viver de indultos, quero liberdade plena de mente e alma. Me solte, passado. Passe adiante.

Já fui mais seu. Quando a gente se encontrava todos os dias religiosamente antes de ir para o trabalho, para dar um oi, para dar um pouco de mim, ainda que tivesse que desviar o caminho e isso me atrasasse um pouco. Quando inventava desculpas para dormirmos juntos no meio da semana. Quando emendava feriados para prolongar o tempo juntos. Quando percorria 15 km usando o transporte público só para te encontrar. Quando fazia surpresas fora de época, sem compromisso, apenas pelo prazer de surpreender.

Eu era muito seu, mas sempre foi isso, ser muito e não ter absolutamente nada de você. Me doei demais e nem só de filantropia vive quem se doa. Por mais intangível que fosse, gostaria de ter tido algo palpável de você. Até hoje, tudo o que pude pegar foram as frustrações de não ser correspondido. Já fui mais seu, jamais fui seu.