Espero que você nunca perceba, mas não fiquei por você, nem pela gente, fiquei por mim. Fiquei porque não aguentaria viver sozinho, sofrendo por pelo menos seis meses por não te ter por perto, por sentir ódio do que aconteceu, por sentir saudade de nós. Fiquei porque não estava nem um pouco a fim de começar do zero, de ter que buscar pessoas do meu passado para sair de balada, ter momentos plásticos com quem não representa mais nada para mim e ainda assim ter que sorrir  a noite toda para não me sentir sozinho. Fiquei porque não tenho paciência para novos encontros, flertar por aplicativos com pessoas que escolheram as melhores fotos e são completamente diferentes na vida real, de ter que cutucar gente com problemas no ego no Facebook, ter que ficar de xavequinho furado por inbox, fazendo gracinhas sobre a última foto do perfil e falando alguma mentira sobre a personalidade do ser que mal conheço. Fiquei porque não quero me ver obrigado a “ficar” com uma pessoa só para não estar sozinho, ter que aturar vícios, cacoetes, modos e estilos que pouco a tem a ver comigo. Fiquei porque não quero ter que mudar a minha vida novamente por alguém, alterar a rotina, ter um novo restaurante favorito, decidir sobre os finais de semana, escolher horários, me deslocar, ficar à mercê. Fiquei porque não quero perder tudo o que construí com você. Ainda que não valha mais a pena, me acomodei no conforto de não ter que viver buscando um amor.

Acredito no amor livre. O amor, toda a sua comoção e energia não podem ser focados em uma única pessoa.

O amor e o egoísmo são antônimos, logo quem ama não ama a um, ama a todos. Há amor maternal, paternal, fraternal. Há amor de família, de amigo, de alma. Dentre tantos amores, por que devemos escolher apenas um para viver por esta eternidade?

Me divido bem entre todos os amores, menos com o amor de alma, aquele que envolve os pensamentos, o corpo e o sexo. Me distribuo entre as camadas sociais do amor, mas a do amor permanente, de quem ama com lealdade, não posso amar mais de um alguém sem que confundam com traição. Se o amor é universal, por que focá-lo em um único ser?

A minha identificação amorosa acontece em vários níveis. Há quem amo pelo intelecto, há quem amo pela postura, há quem amo pelo corpo, há quem amo pelo riso, há quem amo pelo sexo, há quem amo por amar. E se há tanto amor, porque deixá-lo transbordar em um único ser quando posso dividi-lo por igual?

O amor bilateral é injusto em um mundo onde as pessoas se negam a amar. Se o mundo precisa de amor, converta-se em amante. Não negue amor, não negue o poliamar.

A gente se faz. A gente se faz de bobo para não machucar o outro, evitando dizer tudo o que vê ou pensa para não criar caso e estragar um bom momento. A gente se faz de desentendido, fingindo não ter escutado uma ofensa ou grosseria, para manter a saúde desse relacionamento. A gente se faz de louco para não ter que sofrer com coisas pequenas, agindo naturalmente na pior das hipóteses. A gente se faz de comediante quando o outro está triste, porque sabemos exatamente de quais piadas ou gracejos com a voz o outro irá rir, esquecendo por ao menos uma gargalhada de tempo dos problemas. A gente se faz de interessado para cumprir uma de nossas vontades, como ir ao cinema assistir um filme chato que somente um dos dois gosta ou dormir do lado direito da cama porque o outro tem insônia quando não dorme virado para a parede.  A gente se faz de chef para nos agradarmos na cozinha, ainda que um odeie molho ao sugo e outro não suporte o cheiro de peixe cru. A gente se faz de preguiçoso para podemos ficar mais tempo juntos na cama. A gente se faz de proseador para que o nosso papo nunca acabe. A gente se faz de desocupado para termos mais momentos com o outro. A gente se faz, para fazermos do nosso jeito. A gente se faz para deixar o amor nos fazer.