Dizem que somos almas gêmeas, pena que não acredito em espiritismo. Esses pensamentos parecidos, esse sorriso confortante e esses abraços quentes não me convencem. Tirando os pensamentos, minha mãe é igualzinha, mas não penso em praticar incesto só por causa disso.

“Vocês formam um lindo casal”, dizem. Mas eu não quero formar um lindo casal, eu quero formar o amor. Quem forma casal é programa de auditório e reality show. Eu só quero formar uma família bonita, com crianças e cachorros, viagens para a casa de campo aos finais de semana e bem-estar em tempo integral.

“Quero ter um relacionamento igual ao de vocês”, comentam. Mas não quero ser espelho para as outras pessoas, porque se eu cair e quebrar serão anos de azar. Não quero que as pessoas se vejam refletidas no que somos, quero que elas reflitam quem elas desejam ser. E se eu for espelho, que seja um de vampiro, que mostra tudo o que está em volta e não o que está à frente. É preciso olhar para o lado para vislumbrar o que está por vir.

“E quando sai o casamento, hein?”, questionam. Só quero questionar quem foi que inventou que é preciso estar junto todos os dias para ser um só. Somos um só no companheirismo, na fidelidade, na compreensão. Dividir o mesmo espaço não significa dividir os mesmos sonhos.

“Que bom que vocês estão bem”, falam. Mas não estamos. Ninguém nunca está. Estar bem não é só andar de mãos dadas e rir das mesmas piadas. Estar bem é resolver as pendências, sanar problemas, pensar no outro antes de pensar em si.

Não nascemos um para o outro, mas acredito que os nossos destinos foram traçados pelas inúmeras pessoas que comentam sobre nós. Não acredito em destino, mas estou tentando acreditar na gente.

Nada vai voltar ao que um dia foi. Eu sei que todos os erros surgem para que um dia alcance a redenção, mas porque sou obrigado a te redimir? Meu papel pode até ser perdoar, mas esquecer está fora do meu alcance. A gente só esquece aquilo que nos convém. Eu mesmo esqueço dos livros que li há mais de um ano ou dos filmes dublados que assisti. Mas jamais esquecerei da dor causada por você, o peso do perdão que carrego diariamente não me deixa livre da lembrança. O sofrimento torna-se natural quando se é obrigado a conviver com ele. Se eu pudesse voltar ao passado, faria tudo diferente: jamais te perdoaria. Sem te perdoar, o sofrimento teria prazo de validade e eu te esqueceria em um próximo sorriso largo e abraço confortante. Sem te perdoar, eu perdoaria a minha alma que hoje vive para carregar a sua.

Enquanto viveu, foi por um objetivo: consumir o amor. Leu todos os livros que falavam sobre. Conhecia todas as magias, vinganças, complôs que envolviam o amor.

Viveu vários tipos de relacionamento. Certa vez foi uma mulher que matava todos que impediam que o amor acontecesse, e no fim casou-se e viveu feliz. Outra, foi uma bruxa que se apaixonou por um mortal e teve que lutar contra toda a sua raça para que o amor vencesse. Também viveu uma mulher submissa, que através da obediência fez com que o amado descobrisse o melhor sentimento do mundo. Foi também vampira, prostituta, esquizofrênica, milionária, deficiente e transexual, e todas elas conseguiram vencer os desafios e viver um amor de verdade.

Consumiu tanto o amor, que o amor a consumiu. Foram tantos tipos e tantos formatos, que o amor próprio se perdeu entre elas. Tentou transformar cada homem que passava em sua vida numa bela história, onde as dificuldades levariam a seu maior objetivo. Mas ninguém jamais suportou a sua forma de ver esse sentimento. Antes do amor chegar, eles partiam. Comprou todas as fórmulas do amor, mas nenhuma funcionou.

Viveu pelo amor, mas jamais deixou que o amor vivesse por ela.