Me perdoe, já que aí dentro algo não consegue me perdoar. Perdão por quê? Por querer viver fora dos padrões, por quebrar a rotina e por não ser tão certinho. Por nada disso combinar com você. Por nada ter a ver com o que você pensa ou sente.

As vezes quero me ver livre de você, mas não é sobre o seu eu, é sobre sua mente. É sobre como você se porta diante de algo inusitado, como dormir fora em uma segunda ou inventar uma doença só para ficarmos juntos em uma quarta. É errado, mas quem disse que é preciso estar sempre certo para ser feliz. E a felicidade não vem só do que o destino dá, das conquistas. Ela vem de algum lugar dentro da gente que sabe equilibrar o certo e o errado. O seu certo anda errado demais.

Não quero te induzir ao caminho da perdição. Não desejo o mal, nem que você faça escolhas ruins. Eu só espero que você ouça menos a voz que condiciona e mais a que te liberta. Libertação é equilíbrio e a sua balança tem apenas um lado.

Me perdoe, ainda que não precise pedir perdão. Sei que só assim você irá me perdoar. A sua coerência é refém da moral, mas a sua moralidade não possui parâmetros. Você precisa ouvir perdão para satisfazer a sua mente, não o seu coração.

Num grande sofá, com milhares de problemas imaginários deliciosos à vontade, a Psiqué degusta em porções generosas o seu mundinho de tarja preta, recheado de alucinações emblemáticas.

Com tudo ao seu alcance, a Psiqué não pensa duas vezes antes de se fartar de resoluções nojentas e entupir suas veias com gordurosas invenções de seu âmago, chegando ao ponto de não querer sair do lugar, de não querer sair do sofá, pois está tudo muito cômodo e delicioso.

Após se fartar, a Psiqué torna-se obesa, e a obesidade, quando não é patológica, é confortável e aconchegante. Logo, a Psiqué vai adoecendo por não levantar, por fazer suas necessidades no próprio sofá, e o corpo e o pano unem-se em excremento.

E a Psiqué, num estado mórbido, morre no sofá da cabeça de quem a alimentou.

A compreensão é uma expansão que as pessoas não instalam no jogo da vida. É melhor jogar pensando no próprio avatar do que se doar ao outro jogador. E se alguém tiver que vencer, que não seja o melhor, que seja o apático.