Preencho mentalmente um caderninho com o que não gosto, o que me desagrada. Preencho mentalmente também um caderninho sobre coisas que adoro, mas nunca sei onde deixo, em qual gaveta do meu cérebro está. Logo, o caderno de coisas que eu não gosto fica sempre na escrivaninha, à vista, para que eu possa desabafar com o papel tudo aquilo que de alguma forma me incomodou. E acumulo ali, em milhares de palavras, mágoas que não posso apagar.

E por mais que eu tente esquecer do caderno do mal, é impossível. A todo o momento alguém me lembra que ele existe. Logo, quem me lembrou que o caderninho vive, automaticamente estará lá.

Já perdi a conta de quantas coisas escrevi, e para quantas pessoas, mas uma em especial parece que pega a minha mão e brincar de fazer caligrafia, fazendo com que eu escreva todos os dias no caderninho endemoniado.

Não gostaria de escrever nada. Não gostaria de escrever sobre você. Não gostaria, mas nesse momento a sua mão está guiando a minha cabeça a escrever coisas desagradáveis que não posso dizer.

Lendo e relendo constantemente o caderno infeliz, noto que a única parte que não tem a minha letra é a que fala sobre você.

Se você escreveu o rumo da sua história na minha, por que escolheu o caderno errado?

E se não te faz feliz, como fugir?
A rotina, as ordens sem nexo, o pequeno poder, a ineficiência, a procrastinação. A insistência diária de sorrir artificialmente ao cumprir funções. A deficiência de ficar à mercê por doze meses para finalmente ter alguns dias de folga. É só dinheiro. É só futuro. É só pelo outro e nada por você.

E se não te faz feliz, por que ficar?

A última vez que deixei a chuva lavar minh‘alma, me afoguei. Os banhos com gosto de infância agora têm sabor de gente grande, com direito a se deleitar de culpa e degustar os erros através das gotas. A última vez que deixei que a chuva caísse sobre meu corpo, estava com um sorriso no rosto, feliz pela ducha de São Pedro, achando graça de poder me molhar sem ter que ligar o chuveiro. Agora a água da chuva tem peso de chumbo e a única vantagem que percebo é não sentir as lágrimas escorrendo quando tanta água se mistura.

A chuva não veio para lavar, veio para levar.