Não gosto de começar do zero. Tem todo aquele trabalho de pensar no que deu errado, fazer revisão do passado pra descobrir onde está o erro, e repensar no erro me deixa triste. Ficar triste não é coisa de quem começa do zero, é de quem recomeça do meio. Aí eu perco a conta, porque nunca fui bom em matemática e acho que tô no início, quando na verdade eu só estou remoendo um monte de coisas complicadas pra tentar ser diferente. Tentar ser diferente também não é começar do zero, porque você precisa no mínimo de milhares de referências pra poder ser considerado diferente. Quando se trata de sentimento, nem se fala! Não dá pra amar novamente algo que já não se gosta mais, mesmo tendo como referência que é preciso aprender a perdoar. Perdoar até é começar do zero, mas é começar do zero pensando no que o outro fez de errado, e aí quem tem que começar do zero é o outro. Complicado.

Por hora, vou deixar o zero de lado. Do lado esquerdo. Um zero à esquerda já é algum começo.

Eu tentei. De todas as formas possíveis, sempre busquei um jeito de ser compreendido, mas foi praticamente em vão. De um lado, tento entender. É como se a sua mente estivesse fechada para novas possibilidades. Os traumas da infância e da adolescência se refletem nitidamente em sua postura, que aparentemente nunca irá mudar. Você se prostrou e se tornou uma rocha que não consegue ser lapidada.

Eu sinto muito, de verdade. Sinto por essa relação ser insustentável, mas só de um lado, o meu. Do seu, sei que está tudo bem, pois é seu jeito e você não consegue enxergar o quanto a sua personalidade tem feito mal aos outros, e consequentemente a você. As pessoas te aceitam, porque aceitamos conviver com todo e qualquer ser humano, independente de corpo, mente ou alma. Contudo, às vezes só nos aturamos. Aguentamos certas posturas por dó, por comodismo ou por compaixão. Alguns de nós ainda pensamos “a pessoa deve ser feliz assim”. Alguns de nós não pensamos em você.

Isso não é só sobre você, é sobre mim. Acredito que cheguei ao ápice e a compaixão que tenho por você não tem sido a mesma que tenho tido por mim. Estou me anulando. É que, estando preso a você, sinto que estou sorrindo com os lábios fechados. É como se eu sentisse vergonha de mostrar os dentes, porque a felicidade não é completa. Você barra a minha felicidade a todo o momento que não entende as minhas escolhas, desdenha das minhas opções e renega as minhas vontades. Se sou muito, tenho sido pouco. Você me impede de ser feliz.

Parece que, de uns tempos para cá, tenho me contentado menos com esse pouco. Não quero mais sorrir pela metade, ser feliz pelas beiradas. Me sinto radiante por dentro e preciso colocar isso para fora. Quero sorrir de boca cheia, com dentes e sinceridade. Quero desejar “bom dia” e realmente ter certeza de que ele vai ser bom. Quero abraçar a alma e sentir o corpo. Quero não ser julgado pelas escolhas, certas ou erradas, mas que são minhas e de mais ninguém. Quero ser por mim e que ninguém mais seja, porque você já foi demais.

E é por isso que estou indo. Preciso rumar ao futuro, pois aqui eu vivo de presente e passado. Preciso partir, pois só assim sei que você irá digerir o passado e o presente, para que o futuro talvez te entregue algo novo. Preciso ir, pois te abandonar é a última opção que me resta para acreditar em sua mudança. Preciso te ter bem longe, para finalmente sentir que estou perto de mim.

Me encontra. Procura ali no nosso primeiro encontro, beijo ou transa. Me encontra, olha ali no cantinho do nosso pedido de namoro, do sim, da aliança. Me encontra, vá atrás daquele dia em que fomos tão felizes que mal coube na gente. Me encontra, naquele lugar que você me pegava e me devolvia, naquele lugar onde o nosso infinito acabava com a volta ao cotidiano. Me encontra, busca o momento em que me perdi de mim, de você, de nós e me devolve ao que eu era antes.