Abri a folha do passado. Estava amassada, jogada em um canto, mas isso não me impediu de consumir o seu conteúdo. Assim como as marcas da folha, descobri de onde vinham as minhas marcas. Minha mente ficou junto com o passado e fez questão de tentar apagar o motivo de alguns traumas. Compreendo a boa intenção como mecanismo de defesa. Infelizmente, apagando a raiz de uma dor ela só ramificou inúmeras outras. A mente tentou passar a folha do passado, na esperança de desfazer todas as marcas do papel. Mas marcas não somem, não se apagam, são eternas, assim como um trauma. Para anular o peso de um trauma, basta entender os motivos do passado. Um trauma não some, ele perde a força.

Só se vive uma vez e estou farto de viver esse pouco pela metade. Cansado de passar vontade com o que posso fazer, de deixar para depois, de não ser agora. Estou permitindo que a vida que escolheram para mim passe por cima da vida ideal.

Se a vida é uma só, eu quero ser uma vida. Assoprar os ânimos de quem não espera menos do que ser feliz, ditar as regras da existência, dominar os pensamentos com motivações positivas, bombear epifanias do coração até o cérebro.

Se da vida a gente não leva nada, vou fazer questão de deixar com louvor tudo o que tenho. Vou deixar histórias de fazer quem ouve sentir-se tão personagem quanto eu, sinestésicas a ponto de fazer soluçar de rir ou de chorar. Vou deixar as vontades me guiarem, fazer do hoje o meu guia e o amanhã ser só dele. Vou deixar os sonhos na cama e levar os desejos para passear. Vou viver mais por mim, e por mim subentenda-se tudo o que amo.

Só se vive uma vez e quero dar um jeito de enfiar mais doze vidas nessa. A vida é agora e agoura a vida quem não a vive.

Vou trocar a rotina. Essa aqui está velha, olha só. Coitada, já abusei tanto da capacidade da pobre que está até cansada. A bonitinha é ótima, pena que está condicionada a fazer tudo igual, todos os dias. Não muda nada, parece um robô. Por mais que eu tente, ela insiste em manter cada detalhe igual. Por isso resolvi trocá-la. Você tem uma mais nova? Não precisa ser muito arrojada, viu? Ela não precisa ser bonitona, só funcional. O que ela tem que fazer? Ah, criar umas coisas diferentes, sair um pouco do lugar, inovar no dia a dia e não me deixar na mesmice, tipo a outra. Ela pode ser ousada também. A que estou trocando não era nem um pouco e isso é o que mais me irrita nela. Parece que tinha medo de fazer diferente, sabe? Essa que eu estou procurando tem que ser poderosa, de tirar o fôlego. A rotina tem que me deixar sem ar, não sufocado. Tem que me trazer um ensinamento todos os dias e não o inverso. E aí, você tem alguma desse jeito ou vou ter que ficar com essa para sempre?