Gostaria de compartilhar mais de mim para você, mas não posso. Você não é receptivo e nem está pronto para o inusitado, o diferente. Você é mais do mesmo, eu sou mais do mais. Prefiro acrescentar, mas você está cheio, cheio de mim. Não posso ir além, você se acostumou com os próprios limites.

Palpável. O medo é palpável. Sem embargos, o medo penetra em algum pedaço do ser, causando uma sensação semelhante à dor, ao frio, ao fim. O nosso corpo torna-se hospedeiro do medo. Como em uma gripe, tentamos transmitir o vírus do medo sem que percebamos.

O medo nos traz à tona o nosso lado primitivo. Quando em risco, o medo faz com que atuemos instintivamente. Como um animal em risco, atacamos. Não pensamos em consequências, em hipóteses, em circunstâncias. Queremos nos salvar. Queremos o corpo sentindo o medo são e seguro dentro de nós. Buscamos a redenção nos impulsos que o medo traz e não percebemos que não há como se redimir de um instinto.

Ninguém se liberta do medo. Ele, enquanto hospedeiro, domina as vontades, determina as escolhas, rege o futuro. O medo é o seu senhor e você será para sempre um servo.

Quando uma situação aterradora nos invade, fugimos.

A fuga não é bonita, em um campo florido, em uma estrada vazia. A fuga ocorre de formas tenebrosas e nem sempre percebemos que estamos fugindo, nem para onde estamos indo. Fugimos dos lugares onde estamos, largamos tudo, saímos correndo, como se o problema tivesse ficado no lugar que estávamos. Fugimos de momentos, desviando a atenção da mente de um segundo que nos fez infeliz, como se pudéssemos prender o tempo em uma capsula para depois jogá-la fora. Fugimos de nós mesmos, buscando diferentes formas de agir diante da dor, dissimulando sorrisos, forçando situações, ignorando os sentidos, como se todas as emoções juntas pudessem anular apenas uma.

Fugir de um lugar, de um minuto e de nossas emoções é ficar preso em um ciclo de fugas. Fugimos do que nos faz mal, do que não nos serve mais. Corremos dos problemas, quando na verdade eles estão ao nosso lado no caminho da fuga. Dificilmente compreendemos que, para fugir, não podemos tentar esquecer o que nos causa sofrimento, pois assim o sofrimento vai sempre nos perseguir. Não devemos esquecer, devemos esclarecer. Esclareça a angustia, acabe com a agonia, delibere, desabafe.

Devemos aceitar o que nos aflige, para que não haja mais fugas, apenas despedidas.