Desacredito em todas as cartas de amor. É um monte de papel, um emaranhado de palavras e mentiras muito bem colocadas na ponta de uma caneta de cinquenta centavos. São folhas que causam comoção momentânea e que depois vão para uma caixinha esquecida no guarda-roupa, para o lixo. Mas, antes de ser tanto e tão pouco, cartas de amor são falsas profetas. Quem as escreve, acredita que o sentimento temporário vai equivaler para a vida. Acredita que amar é congelar um momento, transformá-lo em eternidade através em um pedaço de sulfite. Acredita que o segundo é permanente e que o êxtase é etéreo. Cartas de amor não têm o dom de prever o futuro. São cegas pela razão que assola quem as escreve. O sentimento, forte e consistente, tem validade. Pode-se amar para sempre, mas a forma de amar não é eterna. O amor evolui, contrai, expande, retrai, toma forma, ganha força, perde espaço, não se sabe. Amor não é amar, amar é peculiar. Nunca acreditei em cartas de amor, pois acredito que amar não é um momento de efusão. Quem escreve uma carta, escreve um momento. Quem descreve um momento, deixa a mente esboçar as reações do passado e as compara com o presente. O presente de uma carta de amor é um derrame de emoções, é serotonina traduzida. Não escreva sobre o presente, sinta-o. Cartas de amor são sinestésicas e a sinestesia vai embora após o ponto final. O sorriso de quem lê uma carta de amor dura o tempo exato da lembrança da mesma. O sorriso de quem ama dura para sempre. Cartas de amor são traiçoeiras. Aos que amam e não são mais amados, estas se tornam álibi contra quem escreveu. Para quem deixou de amar, cartas de amor são vestígios de hipocrisia. Para quem ainda ama e as escreveu, se transformam em máquinas de criar dor. Não acredito em cartas de amor, acredito em quem ama. O amor não cabe em um pedaço de papel, é intangível. O amor não cabe em um pedaço de papel, cabe em você.

Não cabe
em mim
em você
neste verso
neste fim
neste clichê
neste universo.

Não coube
e fiz caber
em mim
em você
neste verso
neste fim
neste clichê
neste universo.

O amor soube
que caberia ao condizer.

Ok. Você estava certo, o tempo todo. Odeio dar o braço a torcer e torci para não precisar ser contrariado. Sei que teimosia não é uma dádiva e que me deleitei com este defeito. Uma hora eu erraria. Uma hora eu deixaria de ser reta para me tornar curva, para me perder nas rebarbas. A gente passa a vida inteira buscando o melhor, até que o bem se torna chato e não resta nada melhor do que se aventurar nos erros. E eu me aventurei. Mergulhei de cabeça, fiquei embaixo do mar do mal até faltar oxigênio e ter a certeza de que estava me afogando em desespero. Precisava sentir a água invadindo os meus pulmões e a culpa inundar o meu sistema nervoso. Eu precisava ir até o fundo para descobrir os meus limites, ou me limitar ao fim. Precisava regurgitar os vestígios do caminho desviado. E precisava de alguém pra me salvar. Alguém para fazer uma compressão cardíaca, para que eu pudesse sentir novamente que meu coração não foi totalmente perdido. Alguém que aquecesse novamente o meu corpo para que eu não morresse de hipotermia. Alguém que me desse motivos para estar no conforto da superfície. Alguém para me reanimar, para sempre. Desculpe pelos erros, pelo mar. Obrigado pelo oxigênio, por me amar.