Aprendi a conviver com isso. Essa coisa aí que todo mundo fala mas eu não sei muito bem o que é. “Só acredito vendo”, diria a minha mãe, em referencia a algum santo. Ou seja, se não vi, essa merda não existe. Mas ela está aqui, corroendo alguma parte entre o pâncreas, esôfago e o coração. (não tenho certeza, não entendo de anatomia, mas entendo de dor) Estou convivendo com isso, essa pocilga que não tem forma, mas que me deixa com os olhos pesados, falta de ar e uma mágoa sem tamanho. Eu sei como me livrar, mas ainda não tomei coragem para fazer isso. Se eu tirar isso de mim, você vai embora junto. Não gosto dela, mas gosto de você.

Ele entende. Sabe o que tenho a dizer. Ele me olha no fundo, analisa como meu globo ocular se move e sabe exatamente como me sinto. De boca fechada, parece que fiz um desabafo de horas. O corpo fala e ele sabe ler. Não existem segredos que se escondam para ele, que lê qualquer esboço. Tenho medo de que ele descubra, que no fundo, sou mais frágil do que pareço. Levanto a voz, me torno sarcástico na esperança de que ele não leia a minha mente. O corpo fala e eu gostaria que ele fosse surdo. Mudo a postura e faço de tudo para que ele não me invada. Sei que ele está fazendo isso por bem, para o meu bem. Ele quer que eu seja melhor. Ele sabe que tenho muitos defeitos escondidos entre sorrisos e gritos. Não quero que ele e nem ninguém descubra o que sinto e o que me afligi. Vivi muito bem até hoje comigo, sem ninguém ditando como devo me portar para ser feliz. Ele quer que eu seja feliz, mas faz questão de explorar a minha infelicidade. Ele diz que a alegria está ali, entre o bem e o mal, no equilíbrio. Não quero ninguém dominando os meus pensamentos e lutarei para que ele pare de entrar aqui. Sei que quer o meu melhor, mas receio que ele se decepcione. O meu corpo conversa com os olhos dele e eu só queria que eles se odiassem.

Estou há um tempo aqui neste trem – que me disseram ser o do amor – e já não vejo a hora de descer. As janelas fechadas com todos respirando o mesmo ar, pessoas de cara feia, encoxadas e esse trem velho e sujo não pode ser feito de amor. Não dá para se sentir feliz e muito menos amado aqui dentro.

Quando embarquei no trem, não tive escolha. Havia muita gente atrás, me empurrando, sem saber se eu queria entrar ou não. Na plataforma do amor não existe horário de pico, toda hora é hora de embarcar. Está sempre lotada. No trem dos relacionamentos não existe assento preferencial, quem chega primeiro vai acomodado o caminho todo. É por isso que as pessoas se digladiam para entrar. Não importa se alguém vai cair nos trilhos, morrer ou se machucar, o importante que você vá confortável, o outro que se foda. E eu me fodi. Só queria ter esperado um pouquinho a aglomeração passar. Juro que deixei as portas livres e aguardei no cantinho para que as pessoas saíssem antes. Para descer para a plataforma, deixei a esquerda livre. Definitivamente eu não devia estar aqui dentro.

Até agora ninguém saiu do trem. Está lotado de gente apaixonada, amando loucamente como se fosse a coisa mais maravilhosa de todo o cosmos. O trem balança demais e eu estou enjoado com tanto amor. Não vejo a hora de chegar na próxima estação. Esperei o trem partir para descobrir que não queria embarcar. Demorei para descobrir que amar não é partir, é chegar. Ainda vou amar, mas por outro caminho.