Somos um casal lindo, até que a incompatibilidade prove o contrário. A gente se parece em não se parecer. Eu odeio a sua cozinha favorita, o seu tique de não conseguir comer algo sem fazer “tsc” enquanto mastiga e a sua mania de achar que a cama é um cesto de roupa suja. Você odeia o meu corte de cabelo, a minha falta de memória e quando me esqueço de algo que acabou de dizer, e como consigo me atrasar só porque não parei para olhar no relógio. E se fossem apenas esses pequenos ódios, tudo estaria bem. Os opostos não se atraem, se atracam. Não nos amamos, nos aturamos. Sabemos que estamos por um fio, mas insistimos no flagelo de vivermos juntos. Um dia vamos aprender a nos relacionar. Jamais haverá nós dois em um mesmo relacionamento.

Todas as culpas que deixo com você também são minhas. Nos punimos constantemente, mas não quero me punir. Prefiro que você sofra, por nós, pelos atos desagradáveis de ambos. Conheço teus limites e estes são muito parecidos com os meus. Antes de saber o que posso, sei o que não devo, mas muitas vezes vou lá e faço. É como uma pequena realização pessoal ao ser transgressor. E neste momento, esqueço de quem sou, quem somos, e me torno especificamente aquilo que estou fazendo. É como se meu ato fosse uma pessoa e eu tivesse sido tomado por ela. Este ato, esta pessoa, me tomam e me levam para as vontades que fogem da minha índole e invadem os teus valores. Neste momento, a gente deixa de ser a gente para nos tornarmos mais um erro. Infelizmente, neste momento, deixo que o erro seja só teu, ainda que o errar seja completamente meu. Convivo melhor trabalhando a tua culpa e fugindo da minha, que nunca se desculpará.

O santo não bate. A primeira má impressão é a que fica. Foi antipatia à primeira vista. Talvez eu nunca descubra o motivo do seu ódio gratuito. Confesso que já tentei refletir sobre os verdadeiros motivos. Acho que pode ser porque sou dessas pessoas que fala muito, que não guarda uma dúvida para si, que não passa vontade, que não tem medo de ser feliz. Quando uma pessoa é bem resolvida consigo mesma, ela incomoda a todos que não são, e se sentir bem é uma tarefa difícil. Sinto que você é uma dessas pessoas que ao parar para pensar sobre si, não pensa em nada. Fugir dos problemas e das questões que incomodam é uma alternativa mais interessante do que enfrentar os medos. Seu semblante aponta que você vive com medo, do que você já foi, de sentir os mesmos sofrimentos novamente. Isso é um julgamento, como todos o que você fez de mim, mas é a única maneira de me defender mentalmente dos seus ataques que sugam energia. Não preciso que você goste de mim, mas para me ver livre de tanto mau agouro em minha vida, preciso que você goste de você.