Ela vai ser feliz. Ela prometeu, ela vai. Me disse que vai pensar mais nela, mas que por enquanto vai continuar colocando os outros em primeiro lugar. Não que ela não se ame, muito pelo contrário, acho que cabe tanto amor dentro dela que de alguma forma ela não sabe como controlar. Quando a gente é feito de amor, não sabe muito bem como lidar com as próprias emoções. Ela é assim, tão cheia de amor que até transborda, e todo mundo que está perto acaba aproveitando. Esse é o problema. A bondade se transforma em ingenuidade e quem não tem um bom coração já sabe onde abastecer suas más intenções. Ela, coitada, não percebe a maldade do mundo. Não é boba, mas quando uma pessoa é muito boa, acaba ficando cega ao imaginar que todo mundo pode ser gentil. Aí, no fim, ela que é amor, bondade e coração acaba sendo consumida por quem não tem índole e caráter, e se torna só tristeza. Eu só queria que ela tivesse um pouquinho de malícia e que o universo não fosse tão malicioso. Queria que ela pensasse mais nela. Ela me prometeu ser feliz, e ela vai, desde que aprenda que o mundo fará de tudo para que ela seja sempre o contrário.

Obrigado por estar ao meu lado. Obrigado por ouvir todas as minhas reclamações diárias e por encontrar uma solução para a maior parte delas. Obrigado por me aconselhar quando não sei o que fazer e por bancar o terapeuta sem cobrar nada por isso. Obrigado pela compreensão, por não me julgar quando deveria ou por me apoiar em decisões que você não concorda. Obrigado por falar a verdade, seja sobre erros grotescos que você pensou em cometer ou sobre a alface presa nos meus dentes. Obrigado por ser gentil, por não me deixar pagar uma conta as vezes, por segurar as sacolas pesadas de mercado ou por aceitar que eu sente ao lado da janela no avião. Obrigado pela ternura, por segurar a minha mão sem motivo algum, por me falar palavras bonitas aleatoriamente e pelos abraços surpresa. Obrigado por ouvir as minhas músicas favoritas mesmo sem gostar muito, por comer salada mesmo odiando o gosto do vinagre e por me acompanhar até em casa mesmo sendo longe da sua. Obrigado por entender que eu preciso ficar uns dias longe de você e não insistir para nos vermos todos os dias. Obrigado por me acompanhar nas minhas loucuras, como quando decido viajar no meio do sábado, quando quero comer hambúrguer até passar mal ou quando quero beber algo em um lugar diferente. Obrigado por não me obrigar a nada. Obrigado por não brigar. Obrigado por existir.

Ele se foi, e como quem parte, não leva nada, a não ser as saudades de quem fica.

Quando alguém vai embora para sempre, você não sabe muito bem o que ela gostaria de levar. A morte não é assunto recorrente e quando ela chega não deixa escolhas, a não ser as dos que ainda estão vivos. Tive que escolher o que Ele iria vestir, sozinho, sem o próprio em corpo ou alma para me ajudar. Não escolhi um terno preto, gravata lilás ou um clichê bem bonito. Peguei uma roupa colorida, pois queria que Ele se sentisse um pouco radiante de onde quer que estivesse se vendo. Escolhi uma polo azul piscina, uma calça preta e sapatos sociais.

Quando alguém parte da matéria, você não sabe qual parte dela a pessoa gostaria de levar. Ele passou a vida carregando coisas nos bolsos, por que ir embora com eles vazios? Não podia deixá-lo com os documentos ou as chaves de casa, já sabia que ele não iria voltar. Então deixei algo meu, uma pulseira que no sol se transforma em um prisma com cores do espectro (ou pequenos arco-íris). Se o mundo estiver certo, no céu há muita luz e não haverá um dia onde o prisma não brilhe.

Não sei se Ele gostou das roupas ou da pulseira, mas acho que de alguma forma ficou contente por eu não ter deixado que ele partisse de bolsos vazios e com qualquer roupa.

Seja qual tenha sido o lugar onde Ele chegou, com certeza causou uma boa impressão.