Nenhuma vida é linda e repleta de glamour vinte quatro horas por dia. Isso é o que os outros vendem. Isso é o que as pessoas querem comprar.

Não fotografo a hora que acordo, o café da manhã que deixo de tomar por estar atrasado e muito menos os dois ônibus lotados que pego para chegar até o trabalho. Não posto fotos do quanto o meu dia foi cansativo ou do almoço ruim que fiz em dez minutos para não ter que ficar até mais tarde. Eu coloco as fotos felizes deste dia e quando elas não existem, eu as crio através de uma pose bem feita, algo que comprei ou um selfie sem graça.

Não viajo sete dias por semana, não vou para a balada religiosamente aos sábados e não me visto bem diariamente. Eu viajo para ir de um lugar a outro por morar longe, troco inúmeras festas pela minha cama e adoro usar camiseta velha e bermuda furada. Nos bastidores, a minha vida é tão comum quanto a sua, mas gosto de transformar meu mundo em uma série onde o personagem principal é bem-humorado, cheio de assunto e que tem a vida que alguém pediu a Deus.

As pessoas já estão cheias de problemas. Se eu compartilhar os bastidores da minha série, elas não vão querer mais assistir.

O roteirista da vida nem sempre acerta no texto, mas sempre fui bom no improviso.

Não dá mais. Já consumimos tudo o que podíamos dessa relação e mais um gole dela vai nos engasgar.

Eu só queria partir sem partir ao meio o pouco de sentimento que nos resta. Quero ir embora e deixar os domingos até mais tarde na cama, os beijos desprevenidos no meio da rua e as besteiras que falávamos para ocupar o tempo. Ir e nunca mais voltar, mas deixar um pouquinho de amor guardado em algum canto que não seja só nos presentes de aniversário de namoro ou nas músicas que ouvíamos. Só quero sair dessa relação e levar um pouco de coisas boas, mas não sou hipócrita e não vou conseguir. Vou levar as mágoas no lugar das alegrias e apagar os momentos felizes, trocando o dia que você me pediu em namoro pelo dia em que me traiu. Trocarei as gargalhadas que demos assistindo vídeos idiotas na Internet pelas noites onde gritamos um com o outro e perdemos a razão por motivos que nem me lembro mais. Vou levar a tristeza de ter falhado inúmeras vezes ao tentar te mudar ao invés das alegrias das evoluções que tornaram o nosso amor o mais bonito do mundo enquanto durou.

Vou levar as desilusões, a raiva, o desapego, o desdém e o peso na consciência, e vou deixar toda a felicidade, desejo, positividade e carinho. Não vou reciclar o que sobrou de bom. A nossa relação foi um lixo por muito tempo por não conseguirmos enxergar o que deveria ter sido jogado fora na hora certa.

Estou indo embora, não de você, mas da gente. Éramos um só e esse foi o nosso erro. Fomos embora de nós mesmos. Estou indo para ficar com alguém melhor: comigo.

Não existe mais vida real. Ela foi consumida pela vida que você deseja ter na Internet. Já não tem mais graça ter três bons amigos quando se pode ter três mil seguidores. As fotos ficam mais bonitas no Instagram do que em um mural de alumínio na parede de um quarto, que ninguém vai ver. O check-in da sua última viagem fica melhor na timeline do que numa ligação que você poderia fazer.

Sentar em uma mesa de bar sem wi-fi não faz sentido. O brinde não não é mais o mesmo sem registro. As pessoas podem conversar somente entre si, mas preferem fazer isso por por Whataspp. O mundo real perdeu a graça e fazer graça nas redes sociais gera compartilhamentos, pessoalmente não.

As pessoas já não marcam mais de se ver. Se quiser contar uma história, poste em seu mural. Se quiser falar com alguém, mande uma inbox no Facebook. Se quiser mostrar uma foto, mande o link. Se estiver com muita saudade, ligue a webcam.

Não existem mais pessoas “feias”, existem pessoas sem filtro de Instagram. Todos passaram a conhecer o seu melhor ângulo e tirar uma foto deixou de ser um evento para se tornar apenas um clique. As pessoas não usam mais o celular para falar, usam para postar.

Saudades de quando a realidade era parâmetro de felicidade. Agora, para ser feliz, é preciso invejar. A inveja engaja e ser invejado é o like do ego. Seja quem quiser, mas se quiser ser você, não seja.