Não há prazer maior do que viajar.

Amo sentir o vento da estrada entrando no carro, fazendo companhia aos passageiros e bagunçando o meu cabelo (aliás, ele é o único que tem licença poética para me despentear). Amo a música alta casada com a paisagem e entrar em um túnel que nunca acaba com um som bem agitado. Amo sentir a estrada vazia e contemplar a paisagem, o destino e as histórias das pessoas que amo estão no asfalto comigo.

Não há nada como escolher o assento ao lado da janela do avião e olhar as nuvens a viagem inteira. Pensar que ali é um universo diferente, que elas são comestíveis e que você pode encontrar com Deus sentado em uma delas observando a terra. Sair da sua cidade, entrar em uma aeronave e chegar em outro mundo, onde as pessoas têm outro dialeto ou falam um idioma que você não entende. É como estar em uma cidade cenografica onde você é o novo protagonista de uma série de curta temporada ou em um reality show onde o prêmio final é a experiência de descobrir um lugar novo.

Viajar é como assistir a um filme favorito e cada vez ver um final diferente.

Passei a vida inteira pensando nos outros e a recíproca nunca foi verdadeira. Me dediquei ao trabalho, ajudei minha família e construí amizades, mas fui aos poucos fui esquecendo da pessoa que eu mais precisava: de mim.

O problema não é ser ocupado, é ser culpado por não ter tempo para si. Em um mundo onde a prioridade são os outros, me colocar em primeiro lugar é o último caso. Por escolha minha, prefiro que as pessoas fiquem no topo do pódio, desde que eu possa segurar a medalha. Sempre me dediquei à vitória, mas a dos outros.

Um dia, me deparei comigo. Foi estranho. Precisei ficar sozinho e não me reconheci. Meus ideais estavam no meio das cartas do banco que jogo no armário sem ler, minhas aspirações estavam no cesto de roupa suja e por pouco eu não encontro quem eu gostaria de ser no futuro em meio a tanta bagunça. Me deparei com ambições, cobiças e anseios que eu nem sabia que tinha. Reconhecer a si mesmo é como descobrir um irmão gêmeo que você jamais conheceu.

Desde então, fui a pessoa que encontrei. E que pessoa! Modéstia a parte, não existe ninguém igual a mim. Deixei tudo o que me fazia mal: trabalho, alguns amigos e aquele ser que preferia colocar os outros em primeiro lugar ao invés de se valorizar. Não deixei de pensar nos outros. Só quem sabe se colocar no próprio lugar vai conseguir se colocar no do próximo.

Descobri o amor, o próprio, em pessoa – no caso, a minha – e não há paixão que seja mais arrebatadora do que encontrar consigo. Se existe amor eterno, este é o amor de quem se ama.

Decidiram se casar. Ou aquele sentimento arrebatador era amor ou eles seriam só mais um casal que confunde orgasmo com paixão.

Ele sugeriu só um almoço para os mais chegados. Ela chorou e interpretou como uma ofensa, coisa de vagabunda que já deu muito e por isso não tem direito a entrar de branco na igreja. Ele concordou com uma festa para íntima para duzentos convidados, afinal, o sexo era bom.

Ela não aceitou alugar o vestido de noiva, queria ter algo para mostrar para os filhos. Ele não quis o salão de festas ao lado da igreja, queria se casar em um sítio. Não eram muito religiosos, então chamaram um amigo que acreditava mais em Deus do que eles para celebrar a união.

A festa estava impecável, daquelas que só existem em revistas de casamentos. Eles estavam falidos, mas felizes. A bebida liberada antes da cerimônia deixou alguns mais alegres antes da hora, incluindo o falso pastor.

– Vamos cortar a parte chata. Você a aceita como legítima esposa?
– Sim!
– E você, o aceita?
– Sim!
– Vocês tem certeza? Daqui para frente só brigas, vocês sabem, não é? Ela não vai querer ter filhos tão cedo porque isso vai acabar com a sua carreira e ele vai engordar em no máximo dois anos. Vocês vão discutir a relação porque um odeia ventilador e o outro só consegue dormir com algum cobertor. As crianças terão asma e ela não vai limpar a casa duas vezes por dia com produtos anti-ácaros e ele não vai parar de fumar. Vai rolar ciuminho em tudo quanto é lugar e é bom que vocês tenham um sofá-cama.
– …
– Brincadeira! O amor sobrevive a tudo isso. Vocês se aceitam?

A festa acabou ali. Mas eles viraram bons fuck friends. Orgasmo e amor não são iguais, mas o prazer é o mesmo.