Acredito no amor livre. O amor, toda a sua comoção e energia não podem ser focados em uma única pessoa.

O amor e o egoísmo são antônimos, logo quem ama não ama a um, ama a todos. Há amor maternal, paternal, fraternal. Há amor de família, de amigo, de alma. Dentre tantos amores, por que devemos escolher apenas um para viver por esta eternidade?

Me divido bem entre todos os amores, menos com o amor de alma, aquele que envolve os pensamentos, o corpo e o sexo. Me distribuo entre as camadas sociais do amor, mas a do amor permanente, de quem ama com lealdade, não posso amar mais de um alguém sem que confundam com traição. Se o amor é universal, por que focá-lo em um único ser?

A minha identificação amorosa acontece em vários níveis. Há quem amo pelo intelecto, há quem amo pela postura, há quem amo pelo corpo, há quem amo pelo riso, há quem amo pelo sexo, há quem amo por amar. E se há tanto amor, porque deixá-lo transbordar em um único ser quando posso dividi-lo por igual?

O amor bilateral é injusto em um mundo onde as pessoas se negam a amar. Se o mundo precisa de amor, converta-se em amante. Não negue amor, não negue o poliamar.

A gente se faz. A gente se faz de bobo para não machucar o outro, evitando dizer tudo o que vê ou pensa para não criar caso e estragar um bom momento. A gente se faz de desentendido, fingindo não ter escutado uma ofensa ou grosseria, para manter a saúde desse relacionamento. A gente se faz de louco para não ter que sofrer com coisas pequenas, agindo naturalmente na pior das hipóteses. A gente se faz de comediante quando o outro está triste, porque sabemos exatamente de quais piadas ou gracejos com a voz o outro irá rir, esquecendo por ao menos uma gargalhada de tempo dos problemas. A gente se faz de interessado para cumprir uma de nossas vontades, como ir ao cinema assistir um filme chato que somente um dos dois gosta ou dormir do lado direito da cama porque o outro tem insônia quando não dorme virado para a parede.  A gente se faz de chef para nos agradarmos na cozinha, ainda que um odeie molho ao sugo e outro não suporte o cheiro de peixe cru. A gente se faz de preguiçoso para podemos ficar mais tempo juntos na cama. A gente se faz de proseador para que o nosso papo nunca acabe. A gente se faz de desocupado para termos mais momentos com o outro. A gente se faz, para fazermos do nosso jeito. A gente se faz para deixar o amor nos fazer.

Dizem que somos almas gêmeas, pena que não acredito em espiritismo. Esses pensamentos parecidos, esse sorriso confortante e esses abraços quentes não me convencem. Tirando os pensamentos, minha mãe é igualzinha, mas não penso em praticar incesto só por causa disso.

“Vocês formam um lindo casal”, dizem. Mas eu não quero formar um lindo casal, eu quero formar o amor. Quem forma casal é programa de auditório e reality show. Eu só quero formar uma família bonita, com crianças e cachorros, viagens para a casa de campo aos finais de semana e bem-estar em tempo integral.

“Quero ter um relacionamento igual ao de vocês”, comentam. Mas não quero ser espelho para as outras pessoas, porque se eu cair e quebrar serão anos de azar. Não quero que as pessoas se vejam refletidas no que somos, quero que elas reflitam quem elas desejam ser. E se eu for espelho, que seja um de vampiro, que mostra tudo o que está em volta e não o que está à frente. É preciso olhar para o lado para vislumbrar o que está por vir.

“E quando sai o casamento, hein?”, questionam. Só quero questionar quem foi que inventou que é preciso estar junto todos os dias para ser um só. Somos um só no companheirismo, na fidelidade, na compreensão. Dividir o mesmo espaço não significa dividir os mesmos sonhos.

“Que bom que vocês estão bem”, falam. Mas não estamos. Ninguém nunca está. Estar bem não é só andar de mãos dadas e rir das mesmas piadas. Estar bem é resolver as pendências, sanar problemas, pensar no outro antes de pensar em si.

Não nascemos um para o outro, mas acredito que os nossos destinos foram traçados pelas inúmeras pessoas que comentam sobre nós. Não acredito em destino, mas estou tentando acreditar na gente.